Os jesuítas e a fundação de São Paulo

por Gustavo Neves da Rocha Filho

Os jesuítas chegaram ao Brasil em 1549 com o propósito de catequizar os índios para melhor servir à colonização. Vieram com o primeiro Governador Geral, Tomé de Souza,  os primeiros cinco padres, entre eles Manuel da Nóbrega e Leonardo Nunes e, mais tarde, uma segunda leva, em 1553, trouxe o Irmão José de Anchieta.

Desde 1550, quando os conheceram, os índios da Aldeia de Piratininga desejavam a presença dos jesuítas. É o que conta o Padre Leonardo Nunes em carta de novembro desse mesmo ano aos Irmãos de Coimbra.

Llegando a la aldea se vino el Principal day y me llevó por fuerça a su casa, y luego se hinchió la casa de Indios, y otros que no cabiam quedaram fuera e trabajaron mucho por me ver. (LEITE, 1956:208)

Em junho do ano seguinte, 1551, não obstante o número ainda diminuto de Padres e Irmãos residentes em São Vicente, eles pregavam nas aldeias, tanto nas do litoral como nas do planalto. E com grande sucesso, como se vê pelas palavras que o Irmão Pero Correa dirigiu ao Padre Belchior em carta de 8 de junho desse ano.

E por laa por onde fomos fallando com todos os Principaes, nos diziam que queriam apreender a fee de Christo, e mostravão-se alguns delles escandalizados porque não começavão loguo a os ensinar.(LEITE, 1956:220)

Noutra carta ao mesmo Padre, do dia 20 do mesmo mês, conta que Nunes já tem 14 Irmãos, muitos deles bons intérpretes. Em outra carta, ao Padre Simão Rodrigues, lamenta o fato que

“lhegamos a las poblaciones de los Indios e fuimos dellos muy bien tratados, mas venimos muy desconsolados por ver tantas almas perdidas por falta de quien las doctrine.”  (LEITE, 1956:230)

Entretanto, era terminantemente proibido pelo Rei e pelo Governador Geral a colonos e padres que entrassem pelo sertão e deixassem o litoral exposto aos ataques de franceses e tantos quantos cobiçavam as terras de Portugal. Os jesuítas encontraram uma solução: trouxeram os filhos dos Principais das aldeias do planalto para a sua Escola de Meninos que funcionava em São Vicente. E continuaram a insistir para que lhes deixassem a ir viver entre os índios.

Tal deve ter sido a insistência que a 1( de junho de 1553 o Governador conta ao Rei que concedeu a licença para que dois ou três fossem pregar a doutrina terra a dentro, no planalto.

Tem elles grande fervor de yrem polla terra a dentro a fazer casas no sertão entre o gentio, e lho defendy (…) e que se quizessem  entrar polla terra adentro que o façam dois ou tres com seus linguas a pregarem ao gentio, mas yrem a fazer casa entre eles me não parece bem por agora.  (LEITE, 1956:496)

Nessa mesma ocasião, a 15 de junho de 1553, o Padre Manuel da Nóbrega escreve ao Padre Luís Câmara contando a visita de vinte dias que o Governador fez a São Vicente e o que parece que já estava definitivamente resolvido, isto é, atender ao pedido dos índios de Piratininga.

En el Campo, de aqui doze legoas se quierem ayntar tres poblaciones en una para mejor apreender la doctrina christiana, y muestram una grande fervor y deseo de aprender y de lhes predicar. (LEITE, 1956:496) 

Sem demora, a 29 de agosto de 1553, Nóbrega inaugurou solene e oficialmente a catequese no planalto, como escreve diretamente ao Rei.  

E do mar dez legoas pouquo mais o menos, duando em algum tempo aquilo se povoar, ho que se espera se a terra melhorar porque é melhor coisa que há no Campo. (LEITE, 1558:414)

As terras lhes foram concedidas em 20 de maio de 1560 sob a denominação de Sesmaria de Geribatiba e tomaram posse da mesma a 12 de agosto do mesmo ano.

Por outro lado, os moradores da Vila de Santo André da Borda do Campo se queixavam da sua localização, longe da água, em lugar impróprio, onde

“morriam de fome e passavam muito mal e morria o gado, que se fossem dentro do termo dela ao longo de algum rio.” (TAUNAY, 1968:315)

A Vila de Santo André teve vida efêmera. Fundada em 1553 durou apenas sete anos, foi extinta e os seus moradores mudaram para o novo local, junto aos jesuítas como contam em carta à Rainha D. Catarina os seus vereadores.

Este ano passado de 1560 veiu a esta Capitania Mem de Sá, Governador Geral, e sabendo o estado da terra (…) e assim mandou que a vila de Santo André onde antes estávamos, se passasse para junto da Casa de São Paulo, que é dos Padres de Jesus, porque nós todos lho pedimos. (LEITE, 1958:344)

Três anos depois da mudança, a vila, então denominada  São Paulo do Campo, já estava cercada de muros de taipa de pilão com três portas de madeira, muros que não eram para simples defesa, mesmo porque os seus habitantes residiam durante toda a semana nas suas roças e fazendas, mas muros  que concediam os direitos de cidadania, como na velha tradição medieval. (ATAS, 1967:2)

Referências bibliográficas

ATAS DA CÂMARA DA CIDADE DE SÃO PAULO 1562- 1696. São Paulo, Divisão do Arquivo Histórico, 1967

LEITE, S.J. Pe. Serafim. Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil. São Paulo, Comissão do IV Centenário, 1956

LEITE, S.J. Pe. Serafim. Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil. São Paulo, Comissão do IV Centenário, 1957

LEITE, S.J. Pe. Serafim. Cartas dos Primeiros Jesuítas doBrasil, São Paulo, Comissão do IV Centenário, 1958

 

COMO CITAR ESTE TEXTO (ABNT 2017):

ROCHA FILHO, Gustavo. Os jesuítas e a fundação de São Paulo. 2017. Disponível em: <https://historiadesaopaulo.com.br/os-jesuitas-e-a-fundacao-de-sao-paulo/>. Acesso em: ___.