As aldeias e trilhas tupiniquins no Planalto Paulista

por Gustavo Neves da Rocha Filho

el Campo de aqui doze legoas se quierem ayuntar
tres poblaciones para mejor aprender la doctrina
(LEITE: 1956:496)

 

O Padre Manuel da Nóbrega em carta ao Padre Luís Gonçalves da Câmara, datada “do sertão de São Vicente, último de agosto de 1553” diz textualmente que no dia anterior, festa da degolação de São João, fez “50 catecúmenos”, isto é, escolheu cinquenta crianças, entre meninos e meninas, para lhes ensinar a ler e escrever, e colocou dois Irmãos na aldeia para a doutrina deles.

Eram índios de três aldeias habitadas pelos tupi-guaranís, identificadas pelos historiadores como sendo Piratininga, chefiada pelo cacique Tibiriçá, Jurubatuba, chefiada pelo cacique Caiubi e Ibirapuera, cujo cacique não teve o seu nome conhecido. Sabe-se apenas que sua filha foi dada como esposa a um dos primeiros povoadores de São Paulo, Braz Gonçalves, nascido antes de 1552. (LEME, 1902:22)

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O interesse de João III pela Cia de Jesus

por Gustavo Neves da Rocha Filho

Portugal, seu povo e seu rei estiveram, à época manuelina, quando se descobriu o Brasil, completamente absorvidos pelo opulento e relativamente fácil comércio com as Índias, cujo caminho marítimo Vasco da Gama havia descoberto em 1498. Mas o decréscimo desse comércio prejudicou a situação econômica e financeira do Reino a ponto de D. João III ser obrigado até mesmo a abandonar algumas praças fortes no norte da África, duramente conquistadas no século anterior.

Era também escassa a população de Portugal e dificílima a colonização do Brasil, que ainda não tinha dado nada, mas prometia grandes maravilhas. As lendas sobre minas e tesouros alucinavam, em toda a parte, ávidos europeus. Ninguém podia distinguir o que de real haveria nas ficções criadas e ampliadas por imaginações desvairadas. Algumas dessas lendas corriam soltas e desordenadas e foram se condensando até se cristalizaram no “El-Dourado”, a sonhada e fabulosa terra onde haveriam montanhas de ouro, prata e pedras preciosas e que poderiam ser encontradas no Peru, denominação geral das Índias de Espanha na América recém-descoberta.

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A importância das cartas dos primeiros jesuítas do Brasil

por Gustavo Neves da Rocha Filho

Para comemorar o IV Centenário da Cidade de São Paulo, ocorrido no ano de 1954,  o Governo do Estado organizou várias comissões encarregadas das celebrações daquela efeméride.

Coube à Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo, por proposta de um de seus membros, Sérgio Buarque de Holanda, publicar as cartas dos Padres, Irmãos e autoridades jesuítas redigidas entre 1538 e 1565, por serem documentos da maior importância para a história tanto de São Paulo, quanto do próprio Brasil.

A publicação constou de três alentados volumes de mais de quinhentas páginas cada um, dados a público em 1956, 1957 e 1958. Foram publicadas 207 cartas, sendo 143 oriundas do Brasil redigidas por Padres e Irmãos e 64 respostas das autoridades sediadas em Lisboa, Trento e Roma.

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A aldeia de Piratininga

por Gustavo Neves da Rocha Filho

A primeira notícia que se tem do indígena brasileiro parece ter sido a veiculada na conhecida “Relação do Piloto Anônimo”, escrita por um piloto português da armada comandada por Pedro Alvares Cabral, famosa por ter descoberto o Brasil.

Assim descreve o piloto anônimo os homens e mulheres que encontraram na terra e suas casas:-

“A qualidade destes homens: são eles homens de cor de bronze e vão nus sen vergonha alguma, e os seus cabelos são compridos, e têm a barba raspada; e as pálpebras dos olhos e as sobrancelhas são pintadas com figuras de cores brancas, pretas, azuis e vermelhas; trazem os lábios da boca, isto é, aqueles de baixo, furados e alí colocam um osso grande como enfeite, e outros trazem, qual uma pedra azul e outra verde, e chupam pelos ditos buracos. As mulheres semelhantemente vão nuas sem vergonha, e são belas de corpo e trazem os cabelos compridos. E as suas casas são de madeira, cobertas de folhas e ramos de árvores, com muitas colunas de madeira no meio das dirtas casas; e das ditas colunas até a parede colocam uma rede de tecido entrelaçado, na qual está um homem, e entre duas redes fazem um fogo, de modo que em uma só casa estarão quarenta ou cinquenta camas. (CASTRO, 1988:100)

O outro documento que descreve o indígena brasileiro é a carta de Pero Vaz de Caminha, escrivão da armada de Cabral, datada de Porto Seguro, Ilha de Vera Cruz, primeiro de maio de 1500.

Quanto aos índios, na primeira segunda-feira da curta permanência da esquadra, depois de comer, desceram todos à praia para abastecimento de água e vinte ou trinta deles foram com os índios em direção a um lugar onde eles estavam com suas mulheres.

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João Ramalho, Mbcy, Tibiriça e a pesca da tainha

por Gustavo Neves da Rocha Filho

A chamada estação da tainha, no litoral do Estado de São Paulo, vai de abril a agosto, um pouco mais tarde no norte. Tratando-se de um peixe de periodismo estacional, sai pela costa, sempre em direção ao norte, abandonando as lagoas do sul do país, onde passou parte de sua vida. É quando se dá a desova e se observa o fenômeno a que os índios chamavam de piracema (grande quantidade de peixe, como querem uns, ou peixe aos saltos, segundo outros) (MUSSOLINI, 1972:311).

A associação do peixe com a farinha de mandioca na dieta é dos aspectos mais gerais da cultura litorânea entre os indígenas que habitavam o Brasil. Chamada por eles de mani, aypi ou de ubi-antan, a mandioca podia ser “brava”, amarga e venenosa, ou “mansa”, doce. Da primeira fazia-se a farinha-de-pau depois de arrancadas as raízes ainda frescas ou depois de secas no fogo. Eram raladas em uma prancha de madeira recoberta de pedras pontiagudas. O produto assim obtido era então colocado em cestos de palha trançada, os tipitís, para escorrer e secar.  O líquido que se desprende é um veneno mortal, por conta da existência do ácido cianídrico, que desaparecia com a ação direta do sol. (ROMIO, 2000:20)

Pronta a farinha, os nativos preparavam com ela um mingau grosso, ou comiam ao natural – com quatro dedos, pegavam um punhado e jogavam na boca. Com a mandioca sem veneno, as índias preparavam uma massa, espremida com as mãos e o caldo era recolhido em vasilhas de barro e exposto ao sol, para que o calor o condensasse e coagulasse, transformado-o em uma espécie de coalhada, então cozida ao fogo. Também a assavam na brasa, comendo-a com mel silvestre. (ROMIO, 2000:20)   

Peixes e carnes de caça, quando não eram ingeridos ao natural, sem cozimento ou tempero, eram socados no pilão e misturados à farinha de mandioca, resultando numa espécie de paçoca. E também havia o piracuí, uma farinha de peixe – o peixe era torrado no forno, desfeito no pilão, e misturado à farinha de mandioca. (ROMIO, 2000:20)

Os índios do planalto paulistano costumavam descer para o litoral para a pesca da tainha, onde construíam cabanas precárias para uma permanência de uns três meses.

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