A criação de gado e o comércio de carne no século XVI em São Paulo

por Gustavo Neves da Rocha Filho

Os livros de Atas da Câmara da Vila de São Paulo permitem acompanhar tanto a produção como o comércio da carne bovina na pequena vila e sua zona rural onde habitavam apenas cinquenta moradores com suas famílias e agregados. 

           Perdeu-se o primeiro  livro de Atas e o segundo inicia-se em 1562. As primeiras Atas fazem referência ao número e nomes dos moradores da vila e seu termo.

            São mencionados 37 moradores em 1562, mais l em 1563 e mais 4 em 1564. São eles: Alvaro Annes, Antonio Cubas, Antonio de Mariz, Baltazar Nunes, Baltazar Rodrigues, Christovam Alvares, Diogo  Vaz Riscado, Domingos Luís Grou, Fernão Alvares, Fernão Dias, Francisco da Costa, Francisco Pires, Garcia Rodrigues, Gonçalo Fernandes, João Alvares, João Annes, João Luis, João Fernandes, João Ramalho, João Rodrigues, Jorge Moreira, Lopo Dias, Luis Martins, Manuel Vaz, Pero Dias, Salvador Pires e Simão Jorge. Moradores novos são André Fernandes em 1563 e Francisco Lopes, Manuel Fernandes, João Galego e Pero Fernandes.

            Prosseguindo, na Ata de 16 de janeiro de 1562 os vereadores apelam para que os moradores se recolhessem a “esta vila para nela residirem” pois quase todos moravam junto às suas roças.

            Na Ata de 29 de abril de 1564 constataram que os  moradores relutavam em mandar os bois desta vila para a armada estacionada em São Vicente e que prometeram acabar as farinhas no mês de maio, por motivo “de doenças e mortes causadas pelas bexigas”.

            Nessa mesma data elegem um homem para ir a São Vicente responder ao Sr. Ouvidor sobre as exigencias de bois e farinhas para armada de S,M.

            Na Ata de 27 de abril de 1576 recomendaram que as pessoas não fizesem o gado passar pela vila porque algumas o faziam pelo adro da Igreja causando prejuizos e danavam os caminhos e pastos e fazendas da vila.

            Na Ata de 4 de junho de 1576  fizeram o registro das marcas de gado de João Annes, Catira Gonçalves, Francisco Pires, Gaspar Rodrigues e Antonio Preto. No dia 15 seguinte registraram  a marca de Baltazar Gonçalves e depois no dia 26 a marca do gado de Lourenço Vaz.

            No ano seguinte, em 19 de julho de 1578 recomendam que todo o morador que tiver gado ameaçando roças e lavouras dos vizinhos o tragam apartado e de noite o metam em curral.

                Em 30 de agosto de 1578 estabeleceram os preços da carne de vaca assim como de outros mantimentos como também o que poderiam cobrar por seus serviços os sapateiros, ferreiros, carpinteiros e alfaiates, Nessa mesma data, recomendam que ninguém mexa em gado alheio sem estar presente o dono.

            No mesmo ano, a 27 de setembro proíbem matar gado sem conhecimento da câmara  para evitar que se mate gado alheio.

            Em 28 de setembro seguinte tiveram que rebaixar o preço da carne, estabelecendo uma tabela de preço para os diversos cortes.

            Em 11 de outubro ainda do mesmo ano, fizeram uma  devassa para saber de quem era o gado que faltava aos moradores da vila, desde  quatro anos. O alcaide, deu em coima  dez cabeças de gado a João Maciel, seu cunhado.

            Logo em seguida, a 29 do mesmo mês, João Maciel  disse que as vacas foram achadas em sua lavoura e eram, quatro de Gaspar Afonso, cinco de Marcos Fernandes, cinco de  Gonçalo Gonçalves, uma de Francisco Fernandes e mais quatro de algum desconhecido.

            A 20 de abril de 1579 tiveram que elevar o preço da carne porque ninguém queria ficar com o seu comercio.

            Multaram Paulo Rodrigues por vacas achadas na roça de Lopo Dias, a 9 de maio de 1579.

            A 25 de outubro de 1579 alguns moradores tinham se  queixado que “morriam de fome” porque ninguem queria vender carne. Em vista disso o seu preço foi marjorado.

            A 27 de fevereiro de 1580 os vereadores recomendaram  aos criadores de gado que não aproveitasem as capoeiras próximas da vila por andarem nelas vacas soltas e sem que seus donos cuidassem delas. Por isso deviam estabelecer suas roças a três ou quatro léguas de distância, ficando desobrigados de vir a missa.

            Para estabelecer uma certa ordem, resolveram que não fizessem casa nem curral nas capoeiras e campos do Conselho a menos de 300 braças de um morador a outro, salvo acordo entre as partes.

            A 14 de maio do mesmo ano proíbem a construção de curral pegado a outro sendo o afastamento entre eles de 60 braças, salvo acordo entre as partes.

            Ainda preocupados com a criação do gado  a Câmara, a 27 de julho, deu um prazo até 16 de agosto para as pessoas que tivessem gado solto no Guarepe os levassem para currais e tranqueiras apropriadas e os ferrassem com suas próprias marcas.

            No ano seguinte continuam as mesmas preocupações e a Câmara, no dia 8 de julho resolve que o gado que está na capoeira há nove ou dez anos deverá ser retirado pelos seus donos dentro de dois meses, sob pena de multa.

            Os oficiais do ano de 1582 continuam a ter problemas com o gado na vila. Em 17 de fevereiro falam  que quem tiver roça ao longo dos campos do Conselho a cerquem com pena de perder o gado que fizer dano na dita roça. Quem tiver gado será obrigado a encurrala-lo à noite para que não faça mal ao vizinho e falam na proibição de bulir em gado alheio, sob a pena de multa.

            Embora os paulistanos estivessem preocupados com a constante ameaça dos íindios carijós e com a construção da Igreja da Sé o problema do abastecimento da carne continuava na pauta.

            Em 15 de junho de 1583 a Câmara constatou que os moradores padeciam pela falta de carne de vaca pela razão  de sairem muitas para a armada de S.M. e pelo fato do preço estar muito baixo e ninguém quisesse vendê-la, Consultariam o povo, em ajuntamento, para que se pudesse aumentar o preço tabelado.

            A 9 de agosto de 1583 fizeram um ajuntamento do povo para discutir uma provisão do Governador que pedia 200 rezes de gado para a armada de S,M.

            Os criadores se excusaram de mandar alegando inexistêcia de machos por terem sido dados no ano passado e pelo existente estar muito magro.

            Também porque da última remessa não lhe pagaram em “dinheiro de contado” conforme carta de S.M. mas em vinho, vinagre, ferro e lona podre ao preço que eles estabeleceram.Por essas razões não haveriam de mandar gado nenhum.

            Consta da Ata de l9 de agosto de 1583 que foi realizado um pregão para que toda pessoa que prometeu gado para a armada de S.M a pedido do Senhor Almirante, o levasse ao mar por meados de setembro, sob pena de multa e degredo.

             Em 1586, conforme Ata de 7 de abril, a providência foi  estabelecer o preço para o queijo de leite de vaca.

            Em 1587, a 21 de março, foi tomada uma única providência: que nenhum morador matasse vaca ou boi sem licença da Câmara.           

            Em 1588 a única medida tomada pela Câmara foi apregoarem, em 24 de agosto, que ninguém se faça senhor dos campos do Conselho e nele deixem pastar o gado, ainda que seja ao redor de suas casas.

           A 20 de abril de 1589 a Câmara deu exclusividade a André Escudeiro para cortar carne em todos os sábados e vendê-la pelo preço estabelecido.

            A Câmara também se preocupava com o estado dos caminhos e pontes. Assim, a 2 de dezembro de 1589 preveniram os moradores de Itaguaçu, Piquerí e os de Piratininga que traziam gado estavam obrigados a consertar a dita ponte antes do Natal.

            Em 14 de abril de 1590 deram a João Fernandes a obrigação de cortar carne por dois anos, com exclusividade.

            Em 2 de julho seguinte aumentaram o preço da carne fornecida por João Fernandes.

            A 7 de julho do mesmo ano resolveram aumentar de novo o preço da carne.

            Aos 16 de maio proibiram o corte de carne até o senhor capitão fazer guerra aos índios mas como havia carne em abundâcia não aprovaram a medida.

            Aos 5 de junho proibiram que se levasse para fora, nem se matasse vaca fêmea sem liceça da Câmara sob pena de multa e degredo.

            É curioso observar que com a existência pouca moeda os pagamentos eram feitos por meio de escambo, como podemos observar na redação da ata da Câmara de 4 de julho de 1593:

       “Antonio de Zouro se obrigou a cortar carne até a quaresma do ano de 1594 recebendo pano de algodão, resgate, couros, cera, novilhos, algodão, galinhas, porcos e o mais que as partes com ele consertassem”.

          Não dando carne pagaria a multa de 1$500 ao Conselho e ainda nessa sessão resolveram que se fizesse um pregão para que ninguém cortasse carne sem licença de Antonio Zouro.

            E assim termina a história da criação do gado bovino e seu comércio na pequena vila de São Paulo durante o decorrer da segunda metade do século XVI. 

            Em 1584, conforme Ata de 23 de maio desse ano a vila passava de 100 moradores e tinha 5 ou 6 caminhos e uma ponte.  

            Em 5 de maio de 1589 escrevem ao Governador dando conta que a vila passava de 150 moradores  e então desejavam construir uma igreja, para a qual solicitavam a nomeação de um padre e a doação do altar e demais alfaias para o culto.

COMO CITAR ESTE TEXTO (ABNT 2017):

ROCHA FILHO, Gustavo. A criação de gado e o comércio de carne no século XVI em São Paulo. 2023. Disponível em: <https://historiadesaopaulo.com.br/a-criacao-de-gado-e-o-comercio-de-carne-no-seculo-xvi-em-sao-paulo/>. Acesso em: ___.